(Hebreus 5:7,8)
Vivemos em tempos difíceis para a salutar fé cristã.
Estamos cercados de todos os lados por leis e estatutos que nos concedem muitos direitos. Há o direito da criança, do adolescente, da mulher, do idoso, do consumidor, do trabalho, o indígena, o humano e o comunitário, entre outros; muitos outros.
É claro que o direito, como princípio, objetiva a regulação das relações sociais, a fim de trazer ordem, justiça e igualdade entre os indivíduos, respeitando, ao mesmo tempo e sempre que possível, seus próprios valores pessoais.
Mas tão óbvio quanto isto é reconhecer que num ambiente como este é natural que queiramos fazer valer esses direitos, mesmo quando despertados, na maioria das vezes, por aqueles nossos sentimentos mais primitivos.
Que crucificaram Cristo no madeiro.
Ou não lhes parece claro também que todo este contexto atual bate de frente com a essência do Evangelho d’Aquele que foi condenado como um bárbaro, mesmo sendo justo?
Que direitos tinha Jesus?
Qual deles exerceu?
As palavras acima, do escritor de Hebreus, parecem narrar, apenas de modo mais indireto, em 3ª pessoa, o mesmo momento fúnebre pelo qual Jesus passou no Getsêmani, e mais conhecido pelas passagens de Mateus 26:42, Marcos 14:36 e Lucas 22:42:
“Passa de mim este cálice”, diz lá.
Lendo assim, entretanto, o terror é tímido, e não chegamos a imaginar exatamente toda a sombra espessa por onde provavelmente vagava, naquele momento, a alma de nosso amado Mestre.
Lucas, o médico, foi quem mais se aproximou disto (talvez por causa do próprio assombro em testemunhar tal momento e não encontrar respostas em sua ciência) ao falar da aflição de Jesus até o ponto de seu suor tornar-se sangue.
Mas, de resto, o episódio é descrito de modo quase poético. Principalmente porque não é também nenhuma novidade mais para os cristãos, acostumados que estamos com ele.
O texto de Hebreus, contudo, ressalta toda dor, ansiedade e esforço nas horas finais de Jesus (“... com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas...”), e faz ainda uma importante observação.
Jesus foi ouvido em Sua oração. Mas não foi atendido.
Sim! Está dito ali que, tendo Ele oferecido oração tal que jamais conseguiremos, Àquele, único, que podia livrá-Lo da morte, foi ouvido, por causa da Sua piedade.
Mas Ele, enfim, não morreu?
Então não foi atendido!
Quem imaginaria algo assim? O Filho de Deus, Aquele que conhece plenamente todos os desígnios de Deus, pedindo-Lhe algo, e não ser atendido? Que diz lá em I João? Não é que, se pedirmos alguma coisa segundo a Sua vontade, Ele nos ouve (IJo.5:14)? E que, se sabemos que Ele nos ouve, podemos estar certos de sermos atendidos (vs.15)? Ora, será que Jesus não sabia disto? Logo Ele?
“Gastou uma oração” à toa.
Sim, “gastou”. Mas não à toa.
“Gastou” para mostrar-nos talvez que há um abismo intransponível entre orar e ser ouvido e ser ouvido e atendido.
Cuidado! Não vá dizendo aí, assim “pelos cotovelos”, que isto você já sabia há muito tempo.
Nós não somos exatamente uma geração tão piedosa assim.
Entre nós podem ser contatos ainda muitos “reivindicadores” de Deus.
Muitos “determinadores” do poder de Deus (que, neste caso, é o mesmo que dizer “vontade deles”). Muita gente que bota banca de ser herdeira das promessas de Deus, e ter direito a isto e aquiloutro.
“E não são?”, alguém pergunta.
Sim.
Mas quem o é mais do que Jesus é?
Só por isto, precisa exigir?
O homem cujo coração é integralmente d’Ele (2Cr.16:9) não pode fazer outra comparação entre si mesmo e Jesus senão a que fez o Dr. Tozer: “Eles Te rejeitaram, a Ti, que és o Amo, e não posso esperar que me recebam a mim, que sou o servo.”
A oração não respondida de Jesus não deve ser tida como perda, como um tiro no escuro ou desperdício, por duas razões básicas e óbvias: a primeira, Deus e Jesus não podem perder nada, Eles que são tão plenos de tudo; e a segunda, ela, a oração, ao menos, nos serve de testemunho do que é um coração puro e uma vida piedosa dedicada a Deus, para vergonha nossa.
Nós que nos enchemos dos mais numerosos direitos, e exigimos de Deus que Ele faça o que nos prometeu.
Ah, é tão bonito isto, né não? Tão espiritual!
Nós dizemos: “Senhor! Foi o Senhor Quem disse isto aqui! E o Senhor não é homem para que minta nem filho do homem para que se arrependa!” – quanto conhecimento bíblico! – “Em nome de Jesus...” – é a nossa palavrinha mágica – “... eu exigo, eu determino, eu reivindico isto, isto e aquilo”.
“Sai que é sua, Taffarel!”, e diria o Galvão.
Ah, só mais uma coisa...
Um dia, um herdeiro, assim como nós, que se viu no direito de requerer do pai o que lhe era devido, só por ser herdeiro, acabou, sim, por recebê-lo. Mas, infantil que ainda era, não soube o que fazer com sua herança, e logo se viu mendigando (sem receber, diga-se) as bolotas de lavagem dos porcos. Por fim, restou-lhe apenas suplicar para ser aceito novamente por seu pai, agora, entretanto, como um mero trabalhador braçal.
Foi recebido como filho, é verdade, mas a condição a que chega alguém assim é esta mesmo: um filho mimado e rebelde que, não tendo sucesso na tentativa de ser porco, retorna à sensatez, finalmente, desejando ser escravo.
Quando nem isto consegue também.
Ou seja, um completo infeliz!