Não tem jeito. Eu tentei me conter, mas não tem jeito. Vão me chamar de louco, de radical, de julgador, de isto, de aquilo... Mas não posso me calar ao que sinto. E estou pronto para as pedras, se vierem.
“A mediocridade é a arte de não ter inimigos”, disse o humorista peruano Sofocleto. A isto eu acrescentaria ainda que uma mediocridade que se preze não tem consciência de si própria, posto que é medíocre. Assim, seria medíocre de minha parte não mexer neste vespeiro; e medíocre será quem nem ao menos considerá-lo.
É comum a Igreja tomar emprestado alguns valores dos tesouros escusos que o mundo possui, para utilizá-los no serviço sagrado de servir a Deus.
Creio que isto ocorre, em parte, por inspiração de um testemunho pessoal feito por Paulo em sua primeira carta aos coríntios, capítulo 9, versículos 20 a 23, quando ele dizia ter se feito passar por tudo (judeu, sem lei, fraco...) para com todos com o fim de salvar alguns.
Mas temo ainda mais que, no (des)esforço de ser “tudo para com todos”, a Igreja acabe por aceitar ser também tola para com os tolos, tornando-se estúpida; e impura para com os impuros, tornando-se mundana.
É assim que hoje vemos elementos místicos de tamanha estranheza sendo misturados à fé cristã genuína, produzindo mais uma espécie de sincretismo evangélico do que qualquer suposta manifestação espontânea de Deus, no sentido de alcançar alguém ou alguns, como a gostam de legitimar.
Um desses elementos é a paixão.
Quero crer que, em algum momento, em algum lugar, por alguma razão muito justificável e pura, alguém, completamente enlevado pela presença de Deus e constrangido a dizer-Lhe algo que fosse original, ousou pronunciar-Lhe as palavras “Estou apaixonado por Ti!”. Esse gesto, sem dúvida, deve ter alegrado muito o coração do Pai, porque pretendia sintetizar o “insintetizável”, traduzir o intraduzível e dizer o que era – agora se sabe – simplesmente indizível.
Aliás, este termo aí, “simplesmente”, nos remete àquela que é o grande divisor de águas entre o que pode ou não ser aprovado diante dos olhos de Deus: a simplicidade. Segui-la é garantia de sucesso; abster-se dela, de fracasso.
Lembremo-nos, por exemplo, de que a diferença entre o sacrifício de Abel e de Caim é que o primeiro foi, ipsis litteris, do jeitinho que Deus pediu; enquanto que o segundo foi inovador, diferente. Nada, porém, do que “rezava a cartilha de Deus”. E o resultado, todos sabemos qual foi.
Mas, das duas, uma: ou havia alguém perto quando aquele sincero adorador declarou seu amor apaixonado a Deus, e esse alguém achou bonito, inovador, diferente, “mó legal” e resolveu espalhar; ou o próprio autor da façanha resolveu repetir a dose...
E pegou!
Infelizmente.
Porque agora é um tal de estar de apaixonado por Deus pra cá, estar apaixonado por Deus pra lá, estar desesperado de amor, enlouquecido de amor, bêbado de amor, enamorado, ensandecido, alucinado...
Às vezes, sinto como se estivesse assistindo ao diálogo de um casal, durante uma tórrida cena de amor, num filme romântico qualquer.
Nossas músicas... Nem o Wando faria melhor!
E então somos uma geração de apaixonados... Ora, mas vejam só!
Segundo alguns dos muitos dicionários que procurei, a paixão é uma espécie de sentimento excessivo, amor ardente, afeto violento, entusiasmo, cólera, grande mágoa, vício dominador, alucinação, sofrimento intenso e prolongado, parcialidade.
Vale também uma consulta pelo Wikipédia para ver a definição de paixão por lá.
E há outras definições, provavelmente menos oficiais, mas nem por isto, desinteressantes, como a do Melhor da Net que diz que a paixão é o amor que se desequilibra. Ou a do Diclucki que diz que ela é o sentimento que impede de se raciocinar com a lógica. Ou ainda a do Blog da Adriana, que define paixão como sendo algo intenso, mágico, que parece único, e que conclui dizendo: “O grande problema é que sem os componentes de intimidade e de compromisso do amor, a paixão pode desaparecer de repente, tão rápido quanto apareceu.”
Aliás, este último detalhe é de grande relevância para o que me proponho dizer aqui.
Há uma grande diferença entre amar e estar apaixonado, e, nisto, todos parecemos concordar. Mas um desavisado alienígena, que nos visitasse e visse de perto muitas das manifestações de paixão que são feitas ao Senhor, concluiria facilmente que a paixão deve ser, sem dúvida, um estágio avançado de amor; quando o contrário é que é verdadeiro.
A paixão é passageira e, pior, curtíssima. O amor jamais acaba (I Coríntios 13:5b). A paixão é algo superficial, comum e relacionado à pele. O amor é profundo, sobrenatural e está ligado ao caráter, ao espírito.
A professora e pesquisadora da Universidade Cornell de Nova York, a americana Cindy Hazan, acredita que a paixão nos seres humanos dure – veja só! – de 18 a 30 meses, “tempo de vida” suficiente apenas “... para que o casal se conheça, copule e produza uma criança” (leia aqui).
Desculpem-me usar neste texto essa linguagem tão formal, científica e talvez carnal demais para alguns, mas o que quero exatamente é ressaltar isto: preocupa-me esta inserção de valores feita à revelia no seio da Igreja. Nem sequer sabemos o que significam certos termos que utilizamos.
Talvez o conceito das Escrituras nos valha, não é?!
Lá, vamos encontrar cinco referências à palavra paixão. Em apenas uma delas, o termo hebraico usado, “yahab”, foi traduzido como “apaixonadamente”, indicando intensidade (Oséias 4:18), mesmo assim relacionada a algo ilícito, a desonra. Em outras duas (Provérbios 7:11; 9:13), a palavra é “hamah” (apaixonado), cuja raiz é, entre outras, murmurar, rosnar, rugir, enfurecer, tumultuar e perturbar. Quanto a Ezequiel 23:11, o termo que foi traduzido por paixão é “àgabah” e significa lascívia mesmo, exatamente como foi traduzido em Colossenses 3:5, sem rodeios: “... paixão lasciva...”
Como vêem, a paixão não parece gozar de muito prestígio bíblico.
Mas não é apenas uma questão de semântica, como se substituindo um palavra por outra, a coisa pudesse se resolver. Não, infelizmente.
Há todo um clima, um ambiente místico criado ao redor deste “mover”: músicas longas e de frases curtas que, repetidas à tão grande exaustão, lembram mais alguns mantras hindus; danças (ou meros gestos?) semelhantes a um estado de transe hipnótico e afeições estático-abobalhadas um tanto quanto esquisitas demais, como se a pessoa estivesse sob o efeito de alguma droga anfetamínica.
No fim, tal experiência pareceu mais fruto de uma abdução que de um “encontro com Deus”.
Aliás, não lhes soa estranho que “encontros com Deus” não eram tão freqüentes assim na vida dos santos do passado? E, se haviam, os sintomas eram muito outros!
Quando Deus falou do meio da sarça que ardia, Moisés “... escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus” (Êxodo 3:6). Mais tarde, curiosamente depois de outras aparições apoteóticas, Deus responde a um pedido de Moisés para ver a Sua glória dizendo: “Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá minha face e viverá” (Êxodo 33:20). Moisés só viu o que pôde ver, e sequer ao menos sabia que seu rosto resplandecia depois disso (Êxodo 34:29).
Isaías “viu” a Deus e, porque creu, temeu pela própria vida. Zacarias “viu” a Deus e, porque não creu, ficou três meses mudo. Mas nem nestes casos nem noutros, vemos qualquer coisa parecida com o que temos visto em nossos dias.
Será que somos uma geração mais privilegiada que as gerações bíblicas?
Vejam também os grandes pais de nossa fé: Agostinho, Lutero, Wesley, Finney, Moody... Homens introspectivos, castos, reverentes, morigerados. Por que não lhes copiamos?
Ah, porque somos os “adoradores extravagantes”, não é?! Será que não vemos? “Extravagante” significa “esbanjador; perdulário”. O que isto tem a ver com Cristo, meu Deus?
Há um excelente artigo escrito pelo Pr. Vanderlei Frari, de Londrina/PR, entitulado “Extravagante ou Extravasante?”, e que eu recomendo, em que ele corrige o termo (talvez quiséssemos dizer “extravasante”, cujo significado vai bem mais à calhar), e faz uma proposição interessante: porque não nos levantamos como uma geração de “ofertantes extravasantes”?
Eu aproveito e sugiro também uma geração de “santos extravasantes”, ou de “servos extravasantes”, ou de “perdoadores extravasantes”, ou de “obedientes extravasantes”, enfim.
Mas o fato é que eu considero suspeita essa manifestação pós-modernista de culto, porque todo encontro do homem “com Deus” resultou sempre numa mudança radical de seu caráter (e algumas vezes até do nome), fazendo-o olhar-se dentro e conhecer-se tão potencialmente mau que não lhe restava outra coisa senão tremer e temer.
E o que sugiro aos meus amados irmãos que sinceramente querem expressar-se a Deus é mesmo isto: uma reflexão; igualmente sincera.
E, ao mesmo tempo, que fiquem tranqüilos com o que eu digo aqui, porque é apenas a opinião de alguém que também será julgado diante de Deus; motivo pelo qual eu temo muito não ser achado aprovado por Ele...
Inclusive, naquilo que julgo estar fazendo em Seu nome (Mateus 7:22).