“Restitui-me a alegria da Tua salvação,
E sustenta-me com um espírito voluntário.”
(Salmo 51:12)
E sustenta-me com um espírito voluntário.”
(Salmo 51:12)
Um elemento de forte impacto na perseverança dos santos na luz é, sem dúvida, a alegria.
O mundo, segundo Deus, não é um lugar; é um sistema de valores. E é mister para nós identificá-lo, inclusive dentro das paredes eclesiásticas.
Sim, porque há mais do mundo dentro da Igreja do que podemos imaginar.
Em sua estratégia de sedução das pessoas, satanás se utiliza de métodos bem mais sutis do que normalmente consideramos.
Ora, e não haveria mesmo de ser assim?
Se alguém lhe perguntasse para onde você gostaria de ir quando morresse, o céu ou o inferno, qual seria sua resposta mais sincera?
Você acredita que alguém, em sã consciência, responderá o inferno?
Mas não se trata disto. A questão é que muitos estão indo pra lá, mesmo sem o quererem.
E por quê? Ora, porque não sabem!
Satanás usa meios dissimulados de conduzi-los para o lugar de perdição e morte eterna.
A Bíblia diz, em Efésios, que métodos são estes, quando afirma que os homens seguem os desígnios do diabo quando simplesmente atendem aos desejos de sua própria carne: “... fazendo a vontade da carne e dos pensamentos” (Efésios 2:1-3).
Para o diabo, você e eu não precisamos necessariamente fazer a vontade dele, em detrimento da de Deus. Basta fazermos a nossa!
Sendo assim, aquilo que aguça nossos interesses é uma arma poderosíssima nas mãos de satanás e seus anjos.
C. S. Lewis, em seu livro “Cartas do Inferno”, descreve os esforços de Screwtape, um demônio experiente, na tentativa de ensinar seu sobrinho-aprendiz, Wormwood, a lograr êxito em desviar um crente em Jesus (chamado placidamente por ele de “seu paciente”) dos caminhos da Vida.
Em certo ponto da Carta Número IX, Screwtape diz a seu sobrinho:
“Eu sei que nós temos alcançado muitas almas através dos prazeres; mas não nos esqueçamos que todo prazer é invenção dEle! Ele criou todos os prazeres; toda nossa pesquisa através dos séculos não foi capaz de criar uma única forma de prazer. Tudo que podemos fazer é encorajar os seres humanos a tomar os prazeres que o Inimigo criou de formas ou intensidades que Ele mesmo tenha proibido.
Toda vez que tentamos trabalhar usando condições naturais de qualquer prazer que seja no mínimo natural, o mesmo começa a exalar aquele cheiro abominável do seu Criador, como nos lembrando que pertence a Ele.”
(Lewis, C. S. - Cartas do Inferno, 1941, Editora Vida – Título Original: The Screwtape Letters)
É isto, e só isto, a razão de o mundo e o pecado serem, em qualquer ponto for, tão sedutores. Eles mexem com nossos prazeres, afinal.
Desse ponto em diante, começamos a entender o porquê de o Reino de Deus chegar até nós com imperativos como “negue-se a si mesmo”, “tome a sua cruz”, “perca sua vida”, “odeie-se a si mesmo” e “renuncie a tudo o quanto tem”.
Mas não pára aí, e nem pode!
O que se pretende é que aprendamos a abrir mão de valores, paixões e deleites – notadamente temporais, como mais tarde se comprovará – os quais estamos acostumados a nos entregarmos, para que possamos, não viver sem eles apenas, mas, sobretudo, viver por outros, mais altos e mais nobres.
Porque o prazer, por si só, não é maligno.
Deus é o Criador do prazer, e é satanás que, sabendo disto – e movido como sempre por aquela mórbida inveja que o fez precipitar-se dos céus – investe pesadamente nele também, utilizando-se, por sua vez, de outras medidas, outros objetos, ilícitos, perniciosos e daninhos.
Mas o Reino de Deus não é nem poderia ser desprovido de alegria, de entusiasmo, de alumbramento e de paixão, senão ninguém, nem mesmo Jesus (mais tarde explico), suportaria a carga que ele exige de nós.
Ninguém abre mão de tudo por nada.
Há um preço a ser pago sim (tudo tem seu preço)! Contudo, se o Reino de Deus é de sacrifícios, renúncias, negativas e abandonos, deve ser (e é), antes de tudo, e infinitamente mais, de conquistas, ganhos, promessas, dádivas, presentes e riquezas.
Olhando Jesus e a mensagem de sua proclamação teremos isto absolutamente confirmado.
Jesus não veio exigir mundos e fundos sem contrapartida alguma. Ao contrário!
Ele disse: “Vocês têm fome? Eu sou o pão vivo que sacia para sempre!”, “Vocês estão cansados de carregar suas cargas? Eu alivio vocês!”, “Vocês estão doentes? Venham a Mim e sejam curados!”, “Estão tristes? Eu tenho uma alegria pra vocês que ninguém poderá tirar!”.
Preocupa-me que, no nosso zelo doutrinário, estejamos valorizando muito mais o preço que se deve pagar para ser um discípulo do Senhor, sem aguçarmos antes os interesses de alguém por sê-lo, deixando de mostrar-lhe o quão mais rico e belo isto pode ser.
Intelectualmente, não deve haver nada que nos desabone. É possível que aí, agora, você não encontre nenhuma incoerência entre a sua fé e o que eu digo aqui.
Mas é isto o que mais me preocupa!
Eu não estou falando de um conhecimento científico ou filosófico acerca de sua fé nas riquezas e promessas do Reino de Deus em nossas vidas.
Estou falando de uma experiência prática, sensível, tangível e inquestionável.
Alegria não se produz com a vontade própria, nem por obediência.
Fosse assim, eu perguntaria: porque diabos você fica triste às vezes?
Ora, a tristeza bem como a alegria não são sentimentos manipuláveis e voluntários.
Não se escolhe entre tristeza e alegria. Quem nos dera! Viveríamos todos alegremente sempre. À exceção dos sadomasoquistas assumidos, quem mais escolheria acordar triste e desanimado num dia desses qualquer?
Alegria ou tristeza se sente. E sua manifestação está para além de nossas vontades.
Seria hipocrisia demais acharmos que o exercício de um sorriso (ainda que amarelo) no rosto produzirá uma alegria verdadeira (e seria covardia ainda maior exigir isto).
Isto só serve para quem nos vê de fora (e talvez seja por isto que o requeiramos tanto).
Porque por dentro...
Bem, por dentro, quem vive assim, corre o risco de acabar cantando como a primeira estrofe da belíssima canção “Mateus dos Impostos”, que conheci há muitos anos atrás na voz (igualmente belíssima) de João Alexandre, na cantata “Eram Doze”, em que se dizia assim:
“Quem me conhece por dentro / Sabe o momento em que hoje eu estou / Velho dilema, eterno problema / Mas vou indo por ir / De que adianta tamanha riqueza que eu possa alcançar / Rico e por dentro / Vazio sentimento / Mas vou indo por ir...”
Alguém dirá: “Mas se formos simples em obedecer, e nos alegrarmos, mesmo quando tudo não está cooperando, o Espírito Santo derramará de sua alegria verdadeira em nossos corações”, e isto parecerá perfeito.
Amém, eu tenho experiências assim também!
Mas, neste caso, estamos começando pelo fim para chegar ao início, como na contramão de uma via.
Porque o que a Bíblia diz é exatamente o contrário: “O coração alegre aformoseia o rosto...” (Provérbios 15:13), e “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria...” (Gálatas 5:22).
Ou seja, primeiro é o Espírito Quem produz em nós a alegria que será manifestada visivelmente em nossos rostos e em nossa vida.
Não sou eu, como se meu esforço pudesse produzir algo para Deus. Fora de Cristo, Deus não aceita!
E falando em Cristo, eu lhes prometi explicar porque disse que nem mesmo Jesus suportaria a carga que o Reino de Deus Lhe exigia se não tivesse alegria.
Não é preciso muito para explicá-lo. Veja o que a Bíblia diz:
“... O qual, em troca da alegria que Lhe estava proposta, suportou a cruz...”
(Hebreus 12:2)
Jesus pagou sim um preço alto por nós, mas o fez porque vislumbrava diante de Si uma alegria que Deus Lhe havia proposto.
Não fosse isto... Não sei.
Gostaria de propor que oremos.
Por admitir que isto não vem de nós, mas de Deus (e muito menos da leitura desse longo e talvez cansativo artigo), eu proponho que oremos para que Deus nos conceda o prazer que, porventura, nos falte em Seu Reino, e que resulta em todo peso que sentimos.
Oremos para que o Espírito Santo nos descortine os olhos, e nos revele toda a amplidão da beleza da glória da santidade do Reino Eterno.
E quando isto houver, nossos interesses se aguçarão! Nossos sentidos se eriçarão! E arrepiaremos! Nossos olhos brilharão! Nosso coração palpitará! E com a voz embargada, sussurraremos: “Oh, Senhor Jesus!”.
Nada mais importará naquela hora, senão vê-Lo, contemplá-Lo, segui-Lo e, por fim, obedecê-Lo (no que for).
E diremos como os judeus que ouviram Pedro proclamar acerca do Cristo ressuscitado e ascendido aos céus: “Que faremos, pois, irmãos?” (Atos 2:37).
Não é precisamente esta aquela que dizemos ser a hora do preço?
Pois então.
O que poderá custar tanto? O que será demasiado difícil para se renunciar?
Diante de tal interesse, o preço, enfim, pouco ou nada significará.
“Restitui-me, Senhor, a alegria da Tua salvação,
E sustenta-me com um espírito voluntário.”