(I João 2:15-17)
Basicamente, aqui estão os algozes que vitimam a humanidade: a carne, os olhos e a altivez de espírito. Destes, outras mazelas ramificam-se, mas esse é o tronco principal. E é onde o machado deve ser posto, afinal.
A estratégia do “certamente não morrereis” do diabo, que foi tão eficaz nos jardins do Éden, ainda repercute por aí.
Lá, Eva (pobrezinha!) foi ludibriada pela astúcia da serpente que, simplesmente, a convenceu. Não precisou sequer possuí-la (e nem podia). Bastou convencê-la.
Satanás sempre preferirá assim: que alguém escolha outro, que não o Senhor, voluntariamente, sem qualquer intimidação. Aliás, é isto o que se configura culpa. Como pode alguém “possuído” ser culpado de alguma coisa?
Mas não mudemos de assunto e vejamos os aspectos da tentação e queda que se deu no Éden. Gênesis 3:6 diz:
1) “E viu a mulher que a árvore era boa para ser comer...”: Aqui fala do apetite da carne, para ser mais amplo. Certamente o fruto daquela árvore era apto para saciar-lhe esse desejo. Mas... isso era lá desculpa? Afinal, eles, homem e mulher, não podiam comer de todas as outras árvores também? Esta é a concupiscência da carne de que dizia João.
2) “... agradável aos olhos...”: O fruto era belo. Não era para menos; tudo o que Deus faz é belo. Mas aqui está outra das grandes tentações humanas. Ser belo ou ter o que é belo, em si ou para si. Desejo, ambição, requinte. Concupiscência dos olhos! O fruto daquela árvore, tal qual a própria, era muito bonito. Mas tanto quanto essa, havia outros muitos frutos belos ali naquele jardim. O pêssego, por exemplo, é belíssimo Mas porque logo aquele maldito fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal? Não há por quês. A questão é que isto, definitivamente, não foi desculpa.
3) “... e árvore agradável para dar entendimento;...”: Opa! Mas aqui há algo diferente! Isso é algo que a banana, a maçã, o pêssego, a uva pareciam não ter. Havia um ingrediente ali naquele fruto, segundo a serpente, que faltaria até mesmo na mais bela, fresquinha e generosa salada de frutas que se podia conseguir em toda a dimensão do jardim. A frase “E sereis como Deus...” (verso 5) para Eva representou o que, em tempos modernos (mas nem tanto), chamamos de status, preeminência, destaque, prestígio, fama... O que é conhecido biblicamente, segundo João, como soberba da vida.
Se essa estratégia deu certo no Éden, ora, qualquer tolo tentaria de novo... e de novo... e de novo... e de novo. Os bebês, por exemplo, sabem que se chorando eles conseguem o que querem, então chorarão sempre. Se, uma vez mexendo com os instintos mais naturais do homem – quais sejam: os apetites da carne, o desejo dos olhos e a soberba da vida – o diabo conseguiu o que tanto queria, daria certo de novo, sendo todos os homens iguais em essência.
E aqui estamos nós! Em meio à extensão permanente do jardim do Éden. Deus continua passando, falando, cuidando, suprindo, nos deixando usufruir todas as Suas benesses mais íntimas. E dentre tantas árvores cujos frutos, disponíveis e à disposição, são bons para se comer e agradável aos olhos, vez por outra, botamos no cesto um – disponível, mas não à disposição – que nos afaga o ego, satisfaz não apenas a carne, mas a alma e engorda o espírito. Depois, não há antiácido que resolva tamanha indigestão.
Não amar o mundo pode ser uma tarefa relativamente simples para os discípulos de Jesus, afinal, Ele dizia que nós não somos deste mundo como também Ele não é (João 17:14,16). Disse também que Deus nos havia tirado do mundo e nos dado para Ele (João 17:9,11; Colossenses 1:13) mas disse que, apesar disso, estamos no mundo e aqui ficaríamos ainda um tempo mais.
Aí é que está!
Que suplício! Enquanto aqui, estamos cercados e envolvidos com os valores caídos do mundo. Lidamos com eles dia-a-dia. Ou usamos, na melhor das hipóteses, algo que é objeto desses valores. A forma de nos vestirmos, como nos entretemos, como nos alimentamos, como escolhemos nossos amigos, cônjuges e, às vezes, para vergonha nossa, até mesmo a quem proclamamos o Evangelho. E somos, freqüentemente, convencidos de que “certamente não morreremos”! Assim, preferimos umas coisas e preterimos outras. O livre arbítrio, do que o homem se orgulha, foi um presente que Deus lhe deu, para que este preferisse escolhê-Lo. Mas o homem pegou este presente e o atirou contra a face do Senhor, preferindo escolher voluntariamente a outro.
Todo o sentimento perverso que impeliu satanás a desejar um Trono acima de Deus, ele espalhou sobre a face da terra, no coração dos homens que, voluntariamente, lhe escolheram e lhe deram o governo.
O mundo é a expressão da vontade do diabo assim como a Igreja é a expressão da vontade de Deus.
Precisamos da graça de Deus que nos basta (II Coríntios 12:9). Algo que basta, enche completamente, não deixa espaços onde caiba o que quer que seja. É suficiente. É pleno. A graça do Senhor é assim. Davi declarou: “Porque a Tua graça é melhor do que a vida para mim...” (Salmo 63:3). É graça para nos vestirmos, mas não sermos altivos, desejando a evidência entre os outros. É graça para comprarmos sem usura ou ostentação. É graça para nos entretermos, mas não romper com os limites da santidade e, mais além (algo que temos muito a aprender), com os limites da santidade do outro, não causando escândalo, respeitando a fraqueza do outro e não exigindo que reaja de forma natural ao que para mim é natural (e eu posso muito bem estar errado! Que eu não me esqueça disso!). É graça para termos mais prazer no jejum que no comer ou beber. É graça para nos reeducarmos “... para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século de forma sensata, justa e piedosa...” (Tito 2:11,12).
Graças a Deus por Jesus (II Coríntios 2:14)! Nele temos recebido graça (João 1:14-17)! Sua vida em nós glorifica e alegra o coração do Pai, pois Ele é o Filho Amado de Deus (Mateus 3:17)! Louvado seja o Senhor! Nele fomos feitos justiça de Deus (II Coríntios 5:21)!
Paulo escreveu: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um, muitos serão feitos justos” (Romanos 5:18,19).
Pois é! Mas com Jesus, são outros quinhentos...
Satanás é um grande tolo! Não bastasse ser relampejado dos céus e esborrachar-se na escuridão do inferno abaixo, por ter, simplesmente, intentado um lugar acima de Deus (se é que isso existe), cogitou em seu frio coração abandonado que, uma vez aqui, humano e limitado, Jesus pudesse estar também fragilizado e, talvez, corrompido pelos valores corrompidos dos homens corrompidos. Afinal, quem resistiria a uma oferta daquelas, não é mesmo?
Mal sabia ele, entretanto, que os ecos da sentença no Éden ainda retumbavam na história – “Este lhe esmagará a cabeça...” (Gênesis 3:15) – e que sua execução começava ali.
À luz de Mateus 4:1-11, gostaria de destacar abaixo, não apenas o meio pelo qual Jesus venceu a tentação do deserto – qual seja, a Palavra – mas também os aspectos da Palavra que Jesus fez questão de usar. Vejam que embora mudassem os objetos, os valores permaneciam os mesmos. A tentação no deserto teve os moldes do Éden:
Primeiro, o diabo disse: “Se Tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães...”. Olha ela aqui de novo, a fome! Concupiscência (desejo) da carne. Depois de 40 dias e 40 noites de jejum, nada mais justo do que isso: comida! Não era, afinal, uma boa idéia, comer por ali mesmo?
A isto, Jesus respondeu: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”: Encher-se da Palavra. Em I João 5:4 diz que a vitória que vence o mundo é a nossa fé. Em outro lugar que a fé vem por ouvir e ouvir a Palavra de Deus (Romanos 10:17). Precisamos, portanto, nos encher de fé através da Palavra. Receber das promessas de Deus em Jesus e assim resistir aos dardos inflamados do maligno, calçando nossos pés com a preparação do Evangelho (A armadura de Deus – Efésios 6).
Depois, o diabo disse: “Se Tu és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo; porque está escrito: Aos Seus anjos darás ordens a Teu respeito, e tomar-Te-ão nas mãos, para que não tropeces nalguma pedra”: Concupiscência (desejo) dos olhos. É algo mais ou menos parecido com o “ver para crer” que ouvimos tanto por aí.
A isto, Jesus respondeu: “Não tentarás o Senhor Teu Deus”: Confiança irrestrita em Deus. Deus não precisa se mostrar Deus. Ele é e não há nada mais que precise provar para ser assim. Nem a fé que temos ou não, muda qualquer coisa em Sua natureza. Se crermos, Ele é Deus; se não crermos, Ele é Deus! Jesus disse que, a uma geração má e adúltera, nenhum sinal seria dado senão o do profeta Jonas (Mateus 12:39). Ou seja, a misericórdia que Deus usou para com Nínive (e para com o próprio Jonas). Não há mais nada que Deus precise mostrar a nós para ser justo, bom, fiel ou o que for, senão a abundância de Sua infinita misericórdia na cruz através de Jesus.
Por fim, o diabo tentou: “Tudo isto Te darei se, prostrado, me adorares”: Soberba da vida. Uma posição de autoridade, de reconhecimento, exercer domínio, governo, liderança. Há maior status que esse? Em outra época, essa frase soou assim: “E sereis como Deus...” (Gênesis 3:5).
Ao que Jesus respondeu: “Ao Senhor Deus adorarás, e só a Ele darás culto”: Subserviência, submissão completa ao Pai e reconhecimento inteligente e sóbrio à Sua Única Autoridade. Satanás tem memória curta. Esqueceu-se que ele próprio, por vezes, precisou requerer a entrada na presença de Deus, falar com Deus e precisou curvar-se e pedir a Deus liberação para tocar a vida de Jó (Jó 1:11 e 2:5). Esqueceu-se que no fim dos dias, o sopro da boca do Todo-Poderoso lhe extirpará a existência (II Tess. 2:8). E esqueceu-se que estava diante d’Aquele que tem todo o poder, glória e honra, é Senhor dos senhores, Rei dos reis... O Santo de Deus (Mc.1:24)! Deus governa sobre tudo e todos, mas deseja, e sempre desejou, repartir isso com o melhor da Sua criação: o homem. Foi assim desde Adão, tornou-se novamente possível através de Jesus e se efetivará a partir do Grande Dia da Glória de Deus (Gn.1:28; Rm.5:17; Ap.5:9-10). Aleluia!
Vencemos a concupiscência da carne nos enchendo da Palavra de Deus, que formará valores nobres e altos em nós.
Vencemos a concupiscência dos olhos confiando em Deus, em Sua boa, agradável e perfeita vontade e sabendo que não só o que Ele tem dado é o melhor, mas que sempre nos dará o melhor também, mesmo que não o pareça para nós.
E vencemos a soberba da vida reconhecendo a soberania de Deus e que somos seus servos, seus escravos, feitos para a Sua glória e que vivemos para agradá-Lo. Com isto estejamos contentes.
Ajustemos nosso comportamento diante das coisas que no mundo há, e a seus valores reais e intrínsecos.
Que nos desvencilhemos das ofertas que satanás nos faz por segundos de prazer.
Coloquemos guardas à porta dos nossos olhos, da nossa boca, e do nosso coração para que nos pareçamos um pouquinho mais com Jesus (e ainda assim saber que falta tanto!).
Que nos estimulemos a sermos d’Ele, exclusivamente d’Ele, zelosos de boas obras (Tito 2:14).
Que sejamos santos, vivamos intensamente cada dia para o Senhor, sejamos prudentes como as serpentes e simples como as pombas (Mateus 10:16).
Que sejamos bons administradores e despenseiros fiéis da graça de Deus (I Pedro 4:10).
Que usufruamos Suas ricas bênçãos, e que, seja o comer, seja o beber, façamos tudo para glória de Deus (I Coríntios 10:31), cautelosos de não sermos, em momento algum, tocados por esse mundo vil e perverso.
Se ficarmos pobres, já somos ricos em Cristo (Tiago 2:5).
Se ficarmos fracos, já somos fortes em Cristo (II Coríntios 12:10).
Se formos tidos por loucos, nossa loucura é mais sábia que a sabedoria dos outros (I Coríntios 1:25).
E se nos abandonarem, ainda que a mãe se esqueça do filho que carregou no ventre, o Senhor jamais se esquecerá de nós (Isaías 49:15).
Em que nos tornaríamos? Em pessoas mais parecidas com Jesus certamente.